Memória e Monólogo - 10 da Noite e Feliz Aniversário

 



Alguns dias antes do Natal de 2014 conheci a avó do meu (agora marido) namorado no asilo em que ela morava. Ela, lidando com Alzheimer, não conseguia mais formar muitas frases, o que acabou sendo terreno fértil para que eu conseguisse imaginar que ela me rejeitaria veementemente se conseguisse articular o que pensava, mas como não conseguia apenas sentia em silêncio essa repulsa por mim. Nunca tive essa ideia confirmada ou rejeitada, por motivos óbvios.

Curiosamente, algumas semanas antes, minha mãe havia me enviado alguns dos meus livros que tinha esquecido no Brasil. Entre eles, Laços de Família de Clarice Lispector, do qual o conto "Feliz Aniversário" faz parte. No mesmo ano, vi "Still Alice" e estava pensando, ou sendo guiado a pensar pelas circunstâncias, sobre como deveria ser experienciar o próprio monólogo interno enquanto ele se torna menos linear, mais complexo, imagético e ilógico. Imaginei que talvez fosse semelhante à experiência de sonhar em que o mundo concreto engatilha reverberações e memórias sem que seja possível exercer muito controle e ao mesmo tempo tentar, com todas as forças, conter o desenrolar desses raciocínios para reagir apropriadamente, ou ainda coerentemente.

Em Feliz Aniversário, a protagonista assiste com nojo a disfunção de sua família que, para sua maior humilhação, é incapaz de sequer enxergar o quanto ela desaprova as escolhas que eles fizeram e as pessoas que se tornaram. Entendemos por meio da personagem de Clarice a frustração de estar incomunicável e só e não ter influência nenhuma na vida das pessoas e também a idealização de pessoas idosas cujos preconceitos e julgamentos, mesmo que não mais comunicados, ainda formam o seu senso de identidade. 

Em 10 da noite a ideia era exatamente a de ter a experiência de primeira mão de um turbilhão de imagens e memórias e como essas são resultantes de estímulos externos e norteiam a interação da protagonista com o exterior. A personagem tenta interromper seu próprio monólogo interior apenas pra se perder novamente em sua própria introspecção. O meio em que ela vive, contudo, reage à sua condição com ambos pena, o que a protagonista rejeita, e indiferença, da qual a protagonista se defende exaltando a sua própria, dando por vezes mais relevância a objetos que aos humanos ao seu redor. E as cortinas farfalham. 



Leia 10 da Noite publicado em 2014 




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