Encontros: O Sapiosexual




Houve um lampejo de esperança de que eu tinha sido visto e até amado quando a foto do template do blog dele foi atualizada por um nude em preto e branco que ele tirou de mim, apesar das minhas imperfeições. E ainda assim continuei invisível.  

Porque o homem conceitual que ele almejava ser, o cavalheiro bem educado, não é alguém que está aberto à ideia de ver qualquer coisa que seja vista como sexual no sentido mais primordial, ele acreditava estar acima de qualquer coisa animalesca. O que ele vê são "formas etéreas e beleza" . Sua admiração é altruísta ao mesmo passo que orgulhosamente ignora as pessoas por trás da geometria dos corpos delas. 

Ele não é nem um pouco afetado pela humanidade de seu par e como eles podem ter isso em comum, mas se emociona com como o outro é a corporificação de seu posicionamento conceitual /metafísico. O meu corpo em tons de cinza enquanto manifestação do intelecto, segundo o próprio, superior dele, manifestação de seu gosto impecável. O corpo dele é somente o meio pelo qual interajo com o divino e o  meu, uma casca sabotada pelo que contém. 

Isso, no fim, era o que eu achava que era amor. E era. Pra mim, que sempre me via como um desperdício de uma vida, ter pelo menos uma migalha de relevância na vida alheia era mais aceitação até do que eu conseguia lidar. Mas ser visto é diferente de simplesmente não ser mais imaterial. 

E secretamente eu desejava ter ao menos um pouquinho do que ele parecia saber ter em abundância em si. Eu desejava ter ideias e levantar hipóteses que fossem pelo menos ouvidas antes de serem descartadas com um sorriso que revelava certo desprezo, um beijo e uma mão movendo-se em direção a minha bunda. 

Os olhos dele eram incapazes de vê-lo através da crosta de superioridade. Eu já havia aceitado a mão dele e o pacto que garantia me salvar da selvageria do mundo em troca de me submeter à posição de objeto de decoração. Minha tarefa era a de aliviá-lo as próprias "impurezas ", tirar dele o que lhe turvava as ideias. 

 A diferença, veja bem, quando eu o olhava com desejo, por mais sujo que eu tivesse sido dito que deveria me sentir, é que eu entendia que tinha esse desejo e que por mais que queira ser preenchido pelo pau dele, não era capaz de separar o pau da personalidade dele, das ideias, das idiossincrasias. 

A diferença, veja bem, é que eu podia me perder entre as coxas dele e sentir algum tipo estranho de completude terrena com o pau dele na minha garganta, enquanto, pra ele, me dar prazer era só a primeira parte de uma transação que terminava com ele gozando e indo embora. 

- De quem é esse buraco? Ele me perguntou uma vez. 

- É seu. Eu disse enquanto me dissociava de mim e olhava com olhar vazio para os círculos negros que ocultavam os olhos do menino Jesus (?) na cópia que ele tinha da Madona dos Peregrinos, do Caravaggio, acima da cama e a Alexa tocava a Habanera de Bizet. 


Que clichê ridículo de homem. Algo (surpreendentemente, considerando a inabilidade dele) se moveu dentro de mim e eu não o procurei por um tempo, e também não fui procurado. Então resolvi mandar uma mensagem:


- Tava difícil de andar depois daquilo. 

Padrões estranhos que repetimos por algumas migalhas de atenção. Eu não menti, na verdade, mas eu sabia que ele entenderia como um elogio. Ele digitou uma risada enquanto certamente permaneceu indiferente em pessoa. 


- Quando você tá livre? Eu arrisquei, achando que era só reciprocidade se eu também o usasse. 

- Qual o seu nome mesmo? Ele respondeu. 

OK senhor Ikebana, senhor colarinho branco, senhor classe média alta, senhor fala com o porteiro pra só me deixar subir depois que o outro cara sair. 

- Eu tava no seu apartamento uns dias atrás fingindo que eu conseguia ver a intenção por trás daquela escultura horrível que você fez. 

- Sabe, muitas pessoas estavam no meu apartamento essa semana, ele respondeu sem dar a mínima para o meu comentário. 

Claramente minhas expectativas não estavam alinhadas com as dele. 

- Vem pra cá, ele disse, tenho um amigo que quero que você conheça. 


Será que ele estava brincando sobre não saber meu nome? Talvez ele estivesse brincando o tempo todo e dessa vez estaria menos na defensiva e mais aberto a dizer pros amigos dele o quão intensamente ele tinha sentimentos por mim e como tinha ficado emocionado com os textos que eu mandei pra ele. Toquei a campainha, a porta abriu e assim que entrei, ele me abraçou por trás. 


- Tá dando pra sentir? 


Eu senti, em duro e bom tom, mas não senti mais nada, nenhum interesse, nenhuma entrega, nenhuma química. O que estou fazendo aqui? Me perguntei. Ele disse que o amigo dele chegaria mais tarde, mas enquanto isso eu iria adorar lamber as bolas dele. 


- Eu comprei um sabonete, ele continuou, estão com cheiro de sorvete, digo, minhas bolas. 

- Não é só baunilha? Tô sentindo cheiro de baunilha, eu disse. 

Então o senhor gosto impecável ficou sério de repente. 


- Não, é stracciatela. 


 Interessante como as vezes a vontade de vomitar é engatilhada por coisas completamente sem relação com o corpo. 

 Ele segurou minha cabeça. 

-Vou gozar! 


E eu estava escondido em algum lugar na minha mente em que não podia ouvir nem mesmo o constante coral de vozes na minha cabeça. Ficamos olhando para o teto. Talvez agora ele fosse ser mais vulnerável, mais humano, então estendi a mão para acariciar o peito dele. 


- Então, esse amigo que você tava falando... Por que você queria que eu o conhecesse? (talvez pra discutir um conto sobre a solidão, aceitaria facilmente esse convite) 

- Ah não, ele não vem mais não. Eu tinha dito pra ele que a gente podia fazer um rodízio contigo, você sabe, sexo. 

- Pera, você disse pra ele que ele podia...? 

- Eu sei como você gosta de sexo. Mas você vai ter que ir agora, eu disse pra minha mãe que a gente podia almoçar juntos se a reunião que eu tinha marcado terminasse cedo. Te deixo no metrô? 


É, acho que, pensando bem, terminou cedo. Ele me levou até a estação. 


E o carro parou. 

- Falou, mano. Ele disse. 

Eu bati a porta. 

Talvez ele até soubesse sobre Rachmaninoff, mas não sabia o meu nome. 












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