Carpas no museu.

                À tous les fruits du deséspoir !

                Falarei de quando sentimos um desespero estranho, uma dor terrível, tão terrível que fica ainda depois das nossas entranhas. Falarei de quando escutamos com condolência quem reclama de rachadura nos rebocos sem jamais tomar consciência da estrutura intacta enquanto o nosso interior se transforma segundo a segundo em podridão, prestes a fazer ruir toda a casa. Falarei das mãos trêmulas que pegam os telefones e jamais conseguem dizer algo a alguém porque, além de ser indizível, jamais haverá ouvidos que possam escutar tal coisa. Falarei de mônadas e solipsismos. Falarei do medo de olhar as gentes porque estão sempre no âmbito de nossas possibilidades. Ah sim, porque eu também poderia ser feliz, poderia ser drogado, poderia ser um velho solitário em uma festa para pré-adolescentes inconsequentes. Falarei da opressão que exercem as maioria e que por vezes exercemos sem querer ou perceber. Falarei de madames elegantes, do lixo nas ruas, de Tchaikovski, de Lady Leshurr e de mim mesmo fazendo falsetes terríveis no banheiro. Esse blog poderia se chamar “descarga”, poderia se chamar “unwinding” poderia se chamar tudo. Mas a primeira letra que se escreveu no nome dele o reduziu absurdamente, e é disso que falarei. Desse I, que talvez seja tão parte desse ininteligível ou talvez seja o I do mÍsero, sem nenhum destaque... ou ainda o do egocêntrIco, deslocado do centro.      
                


Episódio #1 – Dos peixes

E de repente olhou ao redor, por acaso. E o mundo, de assalto, o pareceu tão cruel que sentiu um arrepio. Em seguida caminhou conformado, até a chuva. Embaixo das gotas esperava algo que não sabia o que...
                E os peixes? Suas espinhas são um arrepio ósseo! Sim, e um arrepio que sobe a espinha, para um peixe, é uma redundância. E um peixe vaga pelo mar, olhando tudo com paciência, com certo torpor... E quando o peixe morre, ele ainda ejacula miradas terríveis, compreensivas.
Sei que me matastes, ser inapto. Impedistes-me de respirar para que pudesse efemeramente se regozijar em minha carne branca e nem assim és digno de minha censura. Te olho altivo porque posso, porque o teu milagre envolve a minha multiplicação e ainda assim me matas.  Matas-me por inaptidão, porque és incapaz de resistir a mim! INCAPAZ! Ainda que eu me debata sem fôlego, tu és quem perde a serenidade se a ti me falta. Tu és quem diz ser tão forte e engasgas com o meu ser. O teu interior é incapaz de mim, armadura de prata e reflexão. O teu interior é incapaz de mim, arrepio ósseo contra a maciez imunda e rosada de teu esôfago. Apesar de tudo o que possas me fazer, guardo em minha carne algum lustre mas tu te ajoelhas ao menor sinal de fome. Se me sufoco em teu ar é que tu vives num meio tão suave, com pressões tão ridículas que a regressão me atinge profundamente. É como se um dia, tu voltasses a lascar pedras. Aliás, parastes algum dia de lascar pedras? E no fundo de tudo isso, não é desprezo o que sinto por ti, é compreensão. Enxergo-te perdido em ilhotas enquanto consigo abarcar, sem palavras, a grandeza do oceano. Tu és tão pouco que me arrepias. E o meu olhar de entendimento te é insuportável. Morto, envolto em gelo, putrefando, o meu olhar ainda guarda a compreensão de uma imensidão azul, que tu sequer imaginas quando dizes “mar”.  

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